quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Na Costa Vicentina

Este pequeno texto introdutório não é um guia ou um roteiro. Não tem grandes conselhos, mas expõe opiniões e relata algumas experiências pessoais. O seu objectivo é contextualizar um conjunto de fotografias da costa vicentina e da cidade de Lagos. A ordem geográfica de apresentação, de Norte para Sul (Odemira, Aljezur, Vila do Bispo e Lagos), facilita a localização de quem as vê, se nelas encontrar interesse, mas não corresponde ao itinerário cronológico realizado. Como em qualquer viagem, planeia-se, tomam-se notas, faz-se um projecto que é muitas vezes alterado no terreno, por impulsos do momento ou enganos na estrada. Fui aonde se vai quase sempre, mas também aonde pouco se vai.

Ao viajar pelo meu país, viajo por dentro de mim mesmo, pela cultura que me formou e pela memória de juventude. No promontório de Sagres ninguém olha o mar sem pensar na nossa História e no muito que se escreveu sobre esse chamamento marítimo, essa intimidação para ir mais além. Em Vila Nova de Milfontes não pude deixar de sentir uma certa tristeza quando reparei que o Restaurante-Café Miramar estava encerrado e a sua esplanada transformada em parque automóvel (Largo Brito Pais, marginal Norte do rio Mira). Esta era uma das melhores recordações dos meus primeiros contactos com a costa vicentina há quase vinte e cinco anos.

Entre aquele que vê e aquilo que é visto, dá-se um encontro nem sempre pacífico e aberto a subjectividades. Porto Covo, Milfontes e a Zambujeira do Mar estão um pouco “algarvenizados”. Não há delírios arquitectónicos nem o crescimento foi feito à bruta, reconheça-se, mas o processo é irreversível. Os festivais de Verão, a pressão imobiliária e a promoção da costa vicentina como alternativa ao esgotamento algarvio tiveram efeitos sobre o planeamento urbanístico e o comércio. Há mais construção, os restaurantes ficam lotados antes de anoitecer, o estacionamento varia entre o difícil e o caótico. Com raras excepções, o artesanato está banalizado e sofre a concorrência das lojas chinesas e das parafernálias budistas. O equilíbrio que havia entre forasteiros e locais há mais de duas décadas rompeu-se nos dias de hoje. O progresso trouxe os excessos da época estival iguais a outras terras de praia e levou o encanto de outrora para todo o sempre.

Fora do perímetro urbano costeiro, há dezenas de quilómetros que pouco ou nada foram tocados pelo homem, com dunas, praias selvagens, falésias e estratos geológicos dispostos nas posições mais surpreendentes, dobrados ou quebrados pelas forças tectónicas, entregues ao marulhar das ondas e ao permanente sopro da brisa atlântica. Entre diversas praias admiráveis, há uma inesquecível: a Praia da Amália, no Brejão, concelho de Odemira, assim chamada por se encontrar defronte da casa de férias da fadista. O acesso faz-se por um caminho escuro e húmido, pelo meio de canaviais e árvores, a lembrar alguns trilhos pedestres açorianos. No fim, desemboca-se numa enseada, por onde se desce até à praia. Lá em baixo, há uma pequena cascata e um extenso areal protegido do vento pela muralha de penhascos disposta em U. Apesar de já não ser nenhum segredo, a praia está praticamente deserta. Numa manhã de Agosto ainda é possível encontrar o paraíso na costa portuguesa.