domingo, 3 de setembro de 2023

A última noite do General Pavel

Antes de regressar a Tbilisi, passei a minha última noite no antigo sanatório militar de Tskaltubo, o único que está, no momento, em funcionamento. Além da experiência irrepetível, permitiu-me o acesso a outras espaços do complexo que, de outra forma, estariam indisponíveis para visitantes externos. Beneficiei de um desconto no booking.com, mas se tivesse pago o preço tabelado, teriam valido, na mesma, todos os euros gastos.  

Antigo sanatório para membros do Ministério da Defesa da União Soviética, o Tskaltubo Spa Resort reabriu em 2011, após 20 anos encerrado. Durante esse tempo esteve permanentemente vigiado pelo exército e nunca foi ocupado por refugiados. Em consequência, não sofreu uma degradação tão acentuada, o que facilitou a sua recuperação. Hoje, tal como no passado, não se pode entrar livremente. Depois de passar pela segurança e fazer o check-in na receção, recebi uma pulseira, para sinalizar a entrada e dar acesso livre à propriedade.

A parte principal tem um desenho simétrico, com duas alas idênticas ligadas a um restaurante em forma de rotunda. A ala norte, onde ficam a receção e os quartos, tem o mesmo aspeto de outrora: uma bela estufa, com grandes janelas e dezenas de plantas. Pelos corredores há antigos extintores, aquecedores originais e caracteres russos estampados em algumas das portas. A ala sul permanece por recuperar.

Uma das atrações deste antigo sanatório militar é a existência de vários compartimentos de acesso restrito, que foram relevantes no período soviético. Depois de perguntar na receção, fui acompanhado pelo Diretor até dois deles: o pequeno museu informal e a magnífica sala de concertos. Na manhã seguinte, guiado pela sua filha e acompanhado por um casal norte-americano igualmente interessado neste local, vi a suite de Estaline e a ala sul. O Tskaltubo Spa Resort é um ícone do seu tempo e uma memória indelével para os hóspedes.

Página oficial do hotel: http://sanatoriumi.ge/

Entrada principal.

Entrada lateral.

Receção.

Quarto do General Pavel. Mobília vintage, roupão e chinelos.

Além da casa de banho, o quarto tinha uma sala de estar com varanda e estava equipada com duas televisões, que ficaram em silêncio durante a minha estadia.

Corredor de acesso aos quartos.

No exterior, há uma piscina e vários espaços verdes. Caminhar pelos jardins é voltar ao tempo em que este lugar era um dos mais desejáveis da União Soviética. Dei uma volta de reconhecimento, mas não usufrui da piscina. Eu estava cá por outros privilégios de hóspede.

Ala norte restaurada. A parte superior funciona como ponte.

Bar.

Principal sala de refeições. Não jantei no hotel, mas, na manhã seguinte, tomei aqui o pequeno-almoço buffet.

Vista da varanda a partir da principal sala de refeições.

Pequeno museu informal instalado num café para altas patentes. Aqui foram recolhidos diversos objetos encontrados no sanatório militar: Marx, casacos, chapéus, telefones, livros, fotografias, cartazes, discos de vinil, instrumentos musicais e máquinas de escrever.


Tolstoi numa prateleira com livros e fotografias.


Telefone vermelho com linha direta ao Ministério da Defesa, em Moscovo, e uma caixa de ligações telefónicas com o seguinte aviso: "Cuidado, Camarada! O inimigo está sempre à escuta!"


Cartaz com instruções sobre o acesso ao bunker, em caso de ataque nuclear. Não se pode visitar, mas ele existe.

Sala de concertos. Chão parquet, cadeiras com veludos vermelhos almofadados, varanda verde-menta sobre a plateia e telhado abobadado ornamentado.

Da plateia para o palco. Atualmente, além de concertos, também são organizadas conferências.

O custo era bastante elevado. A requisição da limpeza/manutenção anual do candeeiro era assinada pelo Ministro da Defesa.

Edifício em rotunda onde se situa a principal sala de refeições. Na manhã seguinte, após o pequeno-almoço, continuei a explorar o complexo.

A ala sul é uma cápsula do tempo.

Corredor interno da ala sul.

Na suite de Estaline.

Sala de estar, com o samovar e os copos sobre a mesa. O chá estava frio...

Escritório da suite.

Tendo em consideração o abandono de mais de 30 anos, a ala sul está bem preservada.

Receção na ala sul.

Numa ala de acesso aos quartos.  Nesta altura, John, o norte-americano, perguntou à Ana, a filha do Diretor, se conhecia o filme "Shining" (1980), de Stanley Kubrick. Ela disse que "não", mas, após o nosso relato, ficou com interesse em vê-lo.

Ainda na ala sul.

Numa sala de espera entre andares. 

No exterior da ala sul, há uma magnólia plantada, em 1965, por Yuri Gagarin, o primeiro homem no Espaço.

A visita guiada terminou junto da magnólia. Não sei se, alguma vez na vida, voltarei a ficar num lugar tão marcante como este.

Tskaltubo

Tskaltubo era o local que cumpria o sonho da eterna juventude ou que retardava o envelhecimento. Acreditava-se que as suas águas minerais eram boas para as maleitas que chegam com a meia idade. No período soviético, tornou-se a mais importante cidade termal da Geórgia e uma das mais populares da URSS. Nos tempos áureos, havia comboios diretos de Moscovo e a cidade recebia 125 mil visitantes por ano. Todos os cidadãos tinham direito a duas semanas de férias pagas, cumprindo o direito constitucional ao descanso. Os trabalhadores recebiam putevski (sim, putevski, путевки, a palavra russa para vales!) que podiam usar nas instalações turísticas do Estado. Enquanto as férias ocidentais eram vistas como ócio e consumo decadentes, as férias comunistas serviam o propósito de recuperação para o trabalho. Estaline também apreciava as termas. Tinha uma datcha, um quarto privado no sanatório do Ministério da Defesa e uma piscina exclusiva no balneário 6. 

Com o fim da União Soviética, Tskaltubo entrou em decadência profunda. Não havia dinheiro para manter estruturas megalómanas e pagar férias. Os sanatórios foram progressivamente abandonados e pilhados. Em 1993, em consequência da guerra da Abecásia, algumas instalações foram ocupadas por milhares de refugiados. Aquilo que era para ser temporário tornou-se permanente e os novos inquilinos usaram o que tinham em redor para sobreviver. Durante três décadas manteve-se um lugar esquecido e envergonhado. Em 2020, parecia que a cidade ia sair da letargia, com o anúncio de um faseado plano de recuperação. Contudo, a ambição esbarrou com os elevados custos e a maior parte dos projetos ainda não saiu do papel. Por enquanto, prevalece um tumulto de abandonos, ocupações caóticas, entradas aleatórias, cercas e andaimes. Não se pode apreciar o esplendor do passado nem a renovada vitalidade que se aguarda. Nesta perspetiva, o visitante terá chegado tarde ou demasiado cedo. Hoje, apesar da recuperação de alguns edifícios e do turismo termal ter regressado (ainda em reduzido número), Tskaltubo continua a ser um lugar essencialmente para quem gosta de andar a pé e explorar locais abandonados. 

 Mapa com o plano de recuperação dos sanatórios de Tskaltubo. Fonte: https://caucasusedition.net/new-perspectives-for-tskaltubo/

 Estação de caminho de ferro.

Interior da estação de caminho de ferro.

Hotel Aia I, ocupado por refugiados.

Rés-do-chão. Hotel Aia II.

Mosaico soviético em detalhe. Hotel  Aia III.

 A natureza no rés-do-chão. Hotel Aia IV.

No bosque central de Tskaltubo I.

Dos nove balneários que existiam apenas três estão recuperados. O n.º6 é o mais interessante.

No cimo, há um friso de Estaline com o povo. No interior, prestam-se vários serviços médicos: consultas, tratamentos, massagens e banhos.

A piscina exclusiva de Estaline, numa ala do balneário n.º 6. Na receção, deram autorização e uma enfermeira de serviço indicou-me o caminho.

O balneário n.º 8 parece um ovni abandonado.

No bosque central de Tskaltubo II.

Sanatório Medeia I. Sem vigilância, entrada livre.

Sanatório Medeia II.

Sanatório Medeia III.

Sanatório Medeia IV. Encontrei um casal de refugiados no quarto da direita. Cumprimentei-os com um "Dobry den" e segui  o meu caminho.


Sanatório dos Metalúrgicos I, ocupado por refugiados. Apareceu um indivíduo com um cão maldisposto. Recusei pagar para entrar.

Sanatório dos Metalúrgicos II. Após uma breve "conversa" numa língua impercetível para ambos, deixou-me fazer uma fotografia do átrio.

Exterior do Sanatório dos Metalúrgicos III.

Sanatório Gelati I. Abri a porta, entrei e fugi de seguida ao ser atacado por um cão. Por sorte, apareceu um segurança de uma empresa privada que acalmou o animal e convidou-me, por gestos, a entrar. 

Sanatório Gelati II.

Sanatório Gelati III.

Sanatório Gelati IV.

Sanatório Geologia, habitado por refugiados.

Sanatório Tbilisi em obras, conhecido pelos grifos dourados. O empreiteiro não me deixou entrar.

Pausa para almoço no Magnólia, o principal restaurante de Tskaltubo, recuperado em 2019.

À mesa, uma foto dos bons velhos tempos.

Salada, limonada e pavlova (doce de claras, com creme de pistácio e frutos do bosque).

Ao lado, o restaurante Nektari já teve melhores dias.

Exterior do antigo edifício dos correios.

Interior do antigo edifício dos correios.

O interior do balneário n.º 5 parece um cenário do filme "Stalker", de Tarkovsky.

Aviso no balneário n.º 5.

O balneário n.º 5 está quase todo rodeado por arbustos.

Hotel Savane I. Vigiado por um segurança que tinha medo que eu colocasse os pés para lá das escadas.

Hotel Savane II, dominado por heras.

Instituto de Pesquisa (responsável pelo controlo da qualidade das águas) entregue à sua sorte.

Sanatório Imereti I. O segurança viu-me, não disse nada e eu entrei.

Sanatório Imereti II.

Sanatório Imereti III.

Sanatório Imereti IV.

Sanatório dos Mineiros I. Após a recusa inicial, os seguranças deixaram-me entrar. Pela sua dimensão, foi o mais impressionante.

Sanatório dos Mineiros II.

Sanatório dos Mineiros III. As escadas na perspetiva ascendente.


Sanatório dos Mineiros IV. As escadas na perspetiva descendente.


Sanatório Iveria está rodeado por uma cerca. Dos principais, foi o único que nada vi.