domingo, 29 de setembro de 2019

Hiroshima

Primeira viagem de Shinkansen (comboio-bala): Osaca-Hiroshima. 

Museu Memorial da Paz de Hiroshima, do arquitecto Kenzo Tange, Prémio Pritzker 1987.

O museu guarda um conjunto diversificado de documentos, objectos e testemunhos relacionados com a deflagração da primeira bomba atómica, em 6 de Agosto de 1945. Calcula-se que terão morrido cerca de 100 mil pessoas; outras 100 mil ficaram feridas e com mazelas até ao fim das suas vidas. Entre a extrema violência das imagens e o sofrimento que emana dos artefactos, chamaram-me a atenção o silêncio e a concentração das multidões que percorrem as galerias e a grande quantidade de crianças e jovens que acompanha os adultos nas visitas. Percebe-se que há uma mensagem a passar para as futuras gerações.

Monumento de homenagem às crianças, que tem como símbolo Sadako Sasaki (1943-1955), que, por sua vez, se liga ao "origami", a arte tradicional de criar figuras tridimensionais, apenas dobrando uma folha de papel de forma sucessiva e engenhosa. Sadako Sasaki contraiu leucemia aos onze anos, vítima dos efeitos da radiação. No hospital, recebeu a visita de uma amiga que lhe levou um grou de origami e lhe contou a crença segundo a qual quem fizer mil grous verá realizado um desejo. Sadako Sasaki conseguiu fazer 646 antes de morrer. Os seus colegas de escola fizeram os restantes 354 e iniciaram uma campanha para construir um monumento em sua homenagem, que foi concluído em 1958.

Cenotáfio do Parque Memorial da Paz.
Cheguei a Hiroshima na manhã de 7 de Agosto de 2019, um dia após o 74.º aniversário do lançamento da bomba. Havia coroas de flores e tendas nos jardins que se reportavam às cerimónias recentes.

Holograma que reproduz o lançamento da bomba e a devastação consequente I.
Museu Memorial da Paz de Hiroshima.

Holograma que reproduz o lançamento da bomba e a devastação consequente II.
Museu Memorial da Paz de Hiroshima.

Ruínas do Salão da Promoção Industrial, um dos poucos edifícios do hipocentro que sobreviveu à destruição total. Hiroshima, 07.08.2019.

Ruínas do Salão da Promoção Industrial, um dos poucos edifícios do hipocentro que sobreviveu à destruição total. Hiroshima, 08.09.1945.
Foto: Stanley Troutman (fotógrafo da marinha norte-americana), Associated Press.

Capa da Revista New Yorker, 31.08.1946.

No interior, apenas a reportagem de John Hersey (1914-1993) sobre o horror que se viveu em Hiroshima, a partir do testemunho de seis sobreviventes. Em 1985, o jornalista publicou uma nova edição (traduzida em Portugal), com um capítulo dedicado aos 40 anos vividos pelas mesmas personagens. Em 1999, a Universidade de Jornalismo de Nova Iorque classificou "Hiroshima" o mais importante trabalho jornalístico do século XX.

"Diário de Hiroshima de um médico japonês", Michihiko Hachiya, publicado em 1955.
Na imagem, edição em castelhano, comprada através da Internet (Amazon, Londres). O livro encontra-se esgotado em Espanha e não está traduzido em Portugal.

De todos os livros que eu li antes de viajar para o Japão, "Diário de Hiroshima", do médico Michihiko Hachiya, foi aquele que mais me marcou. Às 8h15, de 6 de Agosto de 1945, ele estava em casa, apenas vestido com roupas interiores, quando "um poderoso flash de luz" apareceu e desapareceu repentinamente. Por instinto, tentou fugir, mas os escombros e as vigas caíram no chão, bloqueando o caminho. Conseguiu chegar ao jardim e deu-se conta, para sua surpresa, que estava completamente nu. As cuecas e camisa tinham desaparecido. Ferido e a sangrar, fugiu com a esposa para a rua. Aqui, tropeçou na cabeça de um oficial morto, o primeiro de milhares de cadáveres, vítimas de uma força invisível que lhe é desconhecida e inexplicável. Apesar das queimaduras que sofreu, começou, desde o início, a ajudar os sobreviventes. A morte, o sofrimento e o quotidiano precário são constantes ao longo do livro, a par das consequências da "doença da radiação" que não tardam em chegar: sede, vómitos e diarreia. Há também a alegria dos reencontros, de amigos e familiares que se julgavam perdidos para sempre. Talvez não haja felicidade mais pura. É mais do que uma sobrevivência, é o regresso do mundo dos mortos. A humildade em reconhecer que não sabe o que enfrenta, o respeito profundo pelos defuntos, as descrições dos estados de espírito, as reflexões sobre a guerra e a derrota são outros elementos que acrescentam interesse à obra e que são reveladores do elevado humanismo do Dr. Hachiya. Uma curiosidade: inicia todas as entradas com uma referência ao tempo. A mais extensa e poética é a da manhã de 6 de Agosto. Apenas por uma vez a meteorologia deixou de constar: 15 de Agosto, dia da rendição do Japão, anunciada pelo Imperador, através da rádio. Em síntese: o "Diário de Hiroshima" é um poderoso relato dos acontecimentos que se seguiram ao eclodir da bomba até à chegada dos americanos, a 30 de Setembro de 1945.