quinta-feira, 16 de junho de 2022

Bulgária: ida e volta atribuladas

 

Devido a uma violenta tempestade que se abateu sobre Sófia, que obrigou ao encerramento do aeroporto, e após uma hora e um quarto às voltas sobre a capital búlgara, o avião acabou por ser desviado para Burgas, no Mar Negro. E assim, inesperadamente, aterrámos no outro canto da Europa, numa cidade onde tinha estado há vinte e sete anos atrás… Resumo do dia: pequeno-almoço no Porto, almoço em Barcelona, jantar em Burgas. À meia-noite, partida de autocarro até ao aeroporto de Sófia; às quatro da manhã, transfer de táxi para Kavadarci; às sete e meia, chegada ao hotel e pequeno-almoço. E agora, o que fazer? Mergulhar na cama e entrar num fuso horário australiano ou explorar a cidade, com os ossos amassados?  A água fria do banho inclinou-me para a segunda opção. Paguei a fatura de cansaço à tarde, quando se iniciaram os trabalhos.

Céu sobre o aeroporto de Sófia.

Aproximação ao aeroporto de Burgas, na costa búlgara do Mar Negro.

Passada a semana e de regresso a Sófia, para iniciar a viagem aérea para Portugal, fizemos uma paragem a meio do caminho, para visitar o extraordinário Mosteiro de Rila, o reservatório da cultura e língua búlgara, durante os anos de ocupação otomana. Tal como a viagem de ida, a volta não foi muito feliz. Pior: o imponderável foi substituído pela incompetência. Atraso na partida, paragens sem justificação, condução desleixada e desconhecimento do percurso levaram à perda irrecuperável de tempo e consequente cancelamento dos planos previstos para Sófia. Num tempo de orientação digital, o momento alto aconteceu quando, perdido há mais de uma hora, o motorista decidiu parar na berma da estrada, para pedir ajuda a um vendedor de cerejas... Antes descomprimir pelo riso do que explodir de fúria! Rila está para a Bulgária como Santiago de Compostela está para Espanha. É um dos mais importantes centros de peregrinação internacional da ortodoxia cristã, rodeado por montanhas e caminhos florestais. Todos os eslavos conhecem. Infelizmente, viajámos com os únicos macedónios que desconheciam o local.

Motorista perdido pergunta a um vendedor de cerejas pelo caminho para Rila.

Mosteiro de Rila I.

S. João de Rila, Mosteiro de Rila II.

Mosteiro de Rila III.
Mosteiro de Rila IV.

Página oficial do Mosteiro de Rila: https://rilskimanastir.org/en/
Vale a pena passar por lá para ver, no mínimo, a fotografia aérea.

Primeira etapa do regresso a casa, num voo Sófia - Palma de Maiorca, na Buzzair, subsidiária da Ryanair. Dos quatro voos da viagem, em três companhias diferentes, o avião das abelhinhas polacas foi o único que partiu e chegou a horas. Seguiu-se a segunda etapa para o Porto, onde cheguei à uma da manhã. 

Skopje

 

Em 1963, um violento terramoto sacudiu Skopje, levando à destruição de 65% da cidade e à morte de dois mil habitantes. O arquiteto japonês Kenzo Tange (1913-2005; Prémio Pritzker 1987), autor do Museu - Memorial da Paz de Hiroshima, liderou o projeto de reconstrução da cidade. Embora o “Plano Skopje 1965” nunca tenha sido concretizado, vários edifícios importantes foram construídos nos anos 70. Hoje, o governo da Macedónia quer remover os vestígios desse plano e reescrever a capital como cidade histórica com raízes na Antiguidade, em particular, no período de Alexandre o Grande, através de uma mescla de edifícios neoclássicos e de um sem fim de estátuas. A discussão em torno da renovação urbana de 2014 mantém-se acesa, pelos gastos absurdos e delírios artísticos. Fica o registo fotográfico, para que cada um julgue por si.

Estação de comboios de Skopje. 
Hoje, o relógio ainda marca as 5H17, a hora exata do terramoto de 26 de julho de 1963.
Para saber mais sobre a reconstrução da cidade, consultar aqui: https://www.spomenikdatabase.org/post/skopje-s-1963-quake-from-ruins-to-modernist-resurrection

Três exemplos de arquitetura brutalista em Skopje:
Universidade dos Santos Metódico e Cirilo, Marko Music, 1974.

Estação de Comboio, Kenzo Tange, 1971.

Catedral de S. Clemente de Ohrid, Slavko Brezoski, 1972.

Relíquias militares da Jugoslávia.

Pérolas musicais da Jugoslávia.

Ponte da Arte que conduz ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Ponte da Civilização que leva ao Museu Arqueológico.

Por mares e céus nunca dantes navegados, 
atracou, na capital de um país sem acesso ao mar, um galeão-hotel.

Evocação de Filipe II da Macedónia, pai de Alexandre o Grande.

Bazar turco I.

Bazar turco II.

Bazar turco III.

Bazar turco IV.

"Quantas noivas ficaram por casar, para que os Balcãs fossem nossos, ó mar".
Tradução livre de "Mar Salgado", de Fernando Pessoa, por Recep Tayyip Erdogan.
Bazar turco V.

Modelos fantasmagóricos. Bazar turco VI.

Rio Vardar, Ponte da Civilização e Museu Arqueológico.

Na Ponte da Pedra a caminho da Praça da Macedónia.
Ao fundo, uma estátua gigantesca de Alexandre o Grande.

Arco do Triunfo, o kitsch em todo o seu esplendor.

Ponte da Pedra ao fim da tarde.

Ohrid

História de uma falhada ida à Albânia e como o Rei Zog salvou o meu dia.

As expetativas criadas em torno de Ohrid, a grande atração da Macedónia, não saíram defraudadas. Trata-se de um lago partilhado com a Albânia, inserido numa região montanhosa, com vários motivos de interesse ambiental e histórico, belíssimas paisagens e uma cidade classificada Património da Humanidade pela Unesco. Parti com tudo isso em mente e um desejo suplementar. Quando soube que a organização tinha planeado um almoço e uma visita ao Mosteiro de S. Naum, situado a pouco mais de um quilómetro da fronteira, pensei, de imediato, numa incursão relâmpago ao antigo paraíso dos trabalhadores. Será que era possível tomar um café ou beber uma cerveja do lado de lá? Quem viveu os anos da “Guerra Fria” sabe que a Albânia do Enver Hoxha era o mais fechado dos países europeus, do qual ninguém saía e poucos entravam. Passado esse tempo e estando ali tão perto, não podia perder a oportunidade de concretizar uma bizarra fantasia de juventude: por os pés no país das águias!

Quando abordei a ideia à responsável pela visita de estudo, esta mostrou-se muito reticente em acomodar “este pequeno desvio”. Elencou questões logísticas, burocráticas e falta de tempo, para inviabilizar uma simbólica passagem de fronteira, mesmo que realizada a título particular. Embora nunca o afirmasse claramente, notava-se que não morria de amores pelos seus vizinhos. Dentro da Macedónia, um quarto da população é albanesa e a convivência nem sempre é pacífica. Em 2001, houve confrontos armados no noroeste do país e, em 2012, novos episódios de violência. Com tempo apertado e sem flexibilidade da organização, percebi rapidamente que tinha de deixar cair a ideia e seguir caminho. O paraíso de antanho teria de esperar por um novo périplo balcânico no futuro. Para cúmulo, ainda tive de engolir uma simpática provocação da guia, quando, ao abandonarmos o local, virou-se para mim e disse, ao apontar para um homem barrigudo em tronco nu: “Paulo, aquele era o único taxista capaz de te levar à Albânia, mas, agora, já não temos tempo!” Teve piada a madame até então hirta em assuntos albaneses…

No fim da jornada, no retiro do quarto, ao ler sobre as visitas efetuadas, descobri que, afinal, “tinha estado” na Albânia. A área onde fica o Mosteiro de S. Naum pertenceu ao país, entre 1912 e 1925, quando o Presidente Ahmet Zog (Rei Zog I, a partir de 1928) cedeu o território à Jugoslávia, como gesto de boa vontade. As voláteis fronteiras balcânicas nunca param de surpreender.

Rei Zog I da Albânia (1895-1961).
Fonte: pt.wikipedia.org. Foto tirada entre 1928 e 1930.

Aldeamento neolítico na Baía dos Ossos, Lago Ohrid.
Ao fundo, a Albânia.

Entrada no Museu da Água, Baía dos Ossos, Lago Ohrid.

Almoço flutuante em S. Naum.

Quarteto pantomineiro.

Mosteiro de S. Naum, século X, 
um dos centros de desenvolvimento do alfabeto cirílico.

Frescos no interior do mosteiro. São Naum está aqui sepultado. Os peregrinos acreditam que ouvem os seus batimentos cardíacos encostando os ouvidos ao caixão. Não experimentei.

Cúpula do mosteiro.

Vista do Lago Ohrid, a partir do largo do mosteiro.

Nos acessos pedonais ao mosteiro.

No centro histórico da cidade de Ohrid.

Museu do Papel, Ohrid.

Velho casario e igrejas de Ohrid, Museu do Papel.

Mosteiro de Sta. Sofia, Ohrid.

Interior de uma casa em Ohrid.

Mulher de vermelho, Ohrid.

Lago Ohrid nas margens de Ohrid.

Kavadarci II


Monumento em honra de Kiro Krstev e Dimce Mircev, 
dois partizans (guerrilheiros jugoslavos da 2.ª G.M.) abatidos pelas tropas búlgaras, em1944.

Monumento em honra de Kiro Krstev e Dimce Mircev II.

Kosturnica, Estilo Brutalista, 1976, Petar Mulichkovski.
Representa uma casa tradicional da Macedónia e presta homenagem às vítimas do fascismo,
durante a "Guerra de Libertação" (1941-45).

Informação sobre este monumento e outros espalhados pelos territórios da antiga Jugoslávia:   https://www.spomenikdatabase.org/kavadarci#:~:text=This%20spomenik%20at%20Kavadarci%20is,II%20in%20defense%20of%20Kavadarci 

Na base do monumento, familiares não esquecem os seus antepassados.

No topo, por entre sinais de abandono e vandalismo e algumas fragâncias de Chanel urinário, pode-se observar Kavadarci e a paisagem circundante. Ao fundo, a primeira bandeira do país, com o Sol de Vergina, uma estrela de 16 raios ligada aos túmulos reais da Antiga Macedónia. A Grécia reclamou usurpação do seu património cultural e a bandeira foi alterada. Mas, há sempre alguém que resiste.

Macedónio sem mestre: Museu do Vinho.

Imperador, a Barca-Velha da Macedónia.

O guia do museu era uma personagem singular. Dizia que não bebia whisky, gin ou cognac, porque faziam mal. No entanto, segundo ele, tinha uma excelente saúde física e mental, devido ao consumo diário de vinho maduro e rakia (aguardente) da Macedónia. Pelo menos, boa disposição e sentido de humor não lhe faltavam.

Durante a permanência no país, fui seguindo os seus conselhos.

Às vezes, também experimentei outros fármacos.

As colheitas, Museu de Kavadarci.

Os ritmos frenéticos da música tradicional dos Balcãs produzem capas de disco extraordinárias. 
Museu de Kavadarci, dedicado à etnografia, música e história.

Fiquei fã desta loja. Acompanhei as suas montras ao longo da semana.
Esta foi tirada na 2.ª feira, de manhã.

A meio da semana, passamos do rosa-choque para o verde-espancativo.

E na 6.º feira à noite, Goran e as suas irmãs arrasaram em definitivo.