domingo, 31 de agosto de 2025

Em viagem para a "terra do homem novo". No norte da Albânia

 

Últimos metros na Bósnia-Herzegovina. Depois da ponte de um só sentido, começa o Montenegro.


A estrada acompanha o cénico desfiladeiro de Tara…


… entre túneis e curvas.


Paragem para almoço em Plužine.


Brutalismo Jugoslavo. Estação de Camionagem Podgorica. Final da 1.ª etapa de viagem. 


Podgorica é uma forte candidata ao título de “Capital Mais Feia da Europa”. Mas, há sempre alguma luz no meio da escuridão.



A bordo do autocarro Podgorica – Shkodër, no norte da Albânia, 2.ª etapa de viagem. Capitalismo dentário em ação.


Postal albanês de 1988 (antes da queda do regime) comprado num antiquário do bazar de Krujë. Na minha juventude, a Albânia era o país mais enigmático do continente europeu. Pouco ou nada sabíamos para além do nome da sua capital e da desconfiança em relação ao exterior. Durante o período comunista (1945 - 91), era um dos regimes mais fechados do mundo, onde poucos entravam e ninguém saía. As raras oportunidades para visitar o país surgiam através de um jogo de futebol internacional (o Sporting jogou em Tirana, em 1985) ou de visitas patrocinadas pela Associação de Amizade Portugal – Albânia. No arquivo Ephemera, do José Pacheco Pereira, encontram-se alguns relatos de viagem à “terra do homem novo” que, lidos a esta distância temporal, podem ser interpretados como alucinações num país invisível.

https://ephemerajpp.com/2022/10/01/materiais-de-propaganda-politica-135-associacao-de-amizade-portugal-albania/

https://ephemerajpp.com/2014/04/18/albania/


Sala de estar do “Mi Casa es Tu Casa”. Alma Bazhdari Narali é a proprietária desta casa-museu com mais de 200 anos, aberta ao mundo em 2014 na forma de hostel. Ao longo do tempo, a casa teve vários proprietários, incluindo o Estado durante o período comunista, tendo sido devolvida à família em 1991. Além da partilha de memórias e objetos de muitas vidas, preparam-se refeições com produtos ecológicos, cultivados num terreno nas proximidades, e protege-se a vida animal, com a adoção de cães. “Mi Casa es Tu Casa” não é apenas uma cama para dormir. É um lugar que dá um sentido à sua existência.


Mapa da Albânia no principal corredor do hostel.


A fotografia tirada em frente à casa retrata o casamento dos antepassados de Alma Bazhdari Narali, em 1930.


Pietro Marubi (1832-1903) foi um artista italiano, pioneiro da fotografia na Albânia e nos Balcãs, que passou a maior parte da sua vida em Shkodër. Durante sete anos, foi um dos proprietários da “Mi Casa es tu Casa”.


Interior dos antigos Estúdios Marubi - Museu Nacional de Fotografia. Durante três gerações, os Marubi produziram 150 mil negativos que retratam a Albânia desde a época otomana até 1945.


Entrada no Museu da Memória, um edifício que pertenceu ao Ministério do Interior durante o regime comunista, que funcionou como centro de detenção e tortura.


Celas prisionais.


Sala de interrogatório e tortura.


Vidas que passaram por aqui. Lekë Tasi, artista e músico albanês. Esteve preso durante 15 anos.


Museu do Ateísmo. A Albânia tornou-se, oficialmente, um Estado Ateu em 1967.


Antigo Museu do Ateísmo/Atual Banco Intesa S. Paulo. Mudam-se os tempos, mudam-se os templos.


Avenida Skanderbeg, centro de Shkodër. A velha e a nova Albânia.


Entardecer na Rruga Kole Idromeno, o início da zona pedonal e comercial de Shkodër.


Entrada numa loja de roupa interior feminina, na Rruga Kole Idromeno. Um cartaz publicitário impossível durante o regime comunista, mas possível em liberdade no país com a maior população muçulmana da Europa.


Cavalos à solta a caminho do Lago Shkodër.


Lago Shkodër.


Shiroke, Lago Shkodër.


Bazar de Krujë.


Existem alguns antiquários onde se pode encontrar memorabilia do regime comunista, como medalhas, condecorações ou postais albaneses pré-1991. Num período de profunda transformação da paisagem urbana, social e natural do país, essas imagens têm uma relevância acrescida.


Krujë foi o centro da resistência albanesa à ocupação otomana protagonizada por Skanderbeg (c.1405 – 1468). No interior do castelo, há um museu dedicado ao herói da História da Albânia desenhado pela filha de Enver Hoxha, Pranvera Hoxha. Além da estética da época, talvez seja o lugar onde se pode aprender mais sobre a mentalidade de cerco que está enraizada na identidade albanesa. De salientar, ainda, as referências históricas das migrações albanesas para o sul de Itália e a Sicília, após a morte de Skanderbeg, para escaparem ao avanço e domínio otomano. Estes emigrantes, conhecidos como Arbëreshë, fundaram comunidades que preservaram, até aos nossos dias, a sua língua, cultura e rito bizantino.


Skanderbeg e os seus companheiros numa pose que lembra os painéis realistas.


No interior, um misto de fantasia romântica medieval com espírito revolucionário.


O espírito de resistência de Skanderbeg devia inspirar os jovens soldados.

As Pontes sobre o Drina e o Neretva

Ponte otomana de Konjic, século XVII, sobre o rio Neretva.


O bunker secreto de Tito 

Nos arredores de Konjic, a 55 km de Sarajevo, encontra-se um dos maiores segredos da Jugoslávia: o bunker que protegia o Presidente Josip Broz Tito e a liderança política do país em caso de ataque nuclear. O projeto teve início em 1953 e foi concluído em 1979, um ano antes da morte de Tito. A estrutura em forma de ferradura está situada a 280 metros de profundidade e ocupa 6.400 m². O interior é constituído por dormitórios, escritórios, salas de comunicação, um centro de criptografia e um hospital cirúrgico. Existem, também, diversas estruturas de apoio para produzir energia, controlar as condições ambientais, armazenar óleo e purificar o ar e a água. Esta pequena cidade subterrânea manteve-se confidencial até 2007, tendo sobrevivido à desintegração da Jugoslávia e à guerra na Bósnia. Foi aberta ao público em 2011, quando deixou de ter interesse militar.


Casa disfarce que dá acesso ao bunker, situada a 7 km de Konjic.


 

Entrada e zona de descontaminação.


Purificadores de água.


Painéis elétricos.


Além da função museológica, o bunker foi concebido para ser uma galeria de arte. 


Material de escritório.


Mapa da Jugoslávia. A escolha de Konjic não foi por acaso. Situa-se numa zona montanhosa, afastada do mar Adriático e das planícies do interior. Por outro lado, encontra-se a uma distância central e equilibrada em relação às seis capitais das repúblicas que constituíam a federação, o que permitiria, em caso de conflito, invasão ou ataque nuclear, gerir o país ou organizar a resistência.


O escritório de Tito.


O quarto de Tito.


Os aposentos de Jovanka Broz, esposa de Tito.


Sala de reuniões.


Quarto com televisão.


Sala de conferências.


Sala de comunicações.


Tecnologia “Made in Yugoslavia”.


Tito terá visitado o bunker nos anos 70, mas, dado o carácter secreto do local, não há registo documental.


Com a implementação do Acordo de Dayton, que pôs fim à guerra civil, a Bósnia e Herzegovina manteve as fronteiras da ex-república jugoslava e Sarajevo como capital. No entanto, houve mudanças internas com o estabelecimento de duas entidades políticas autónomas: a Federação da Bósnia e Herzegovina (FBH: croata e muçulmana, 51%) e a República Srpska (RS: sérvia, 49%). As deslocações terrestres refletem a divisão interna, com a existência de duas redes de transporte paralelas: para visitar Konjic e Mostar (FBH) apanhei transportes no centro da cidade; para viajar para Podgorica (Montenegro) dirigi-me à Estação de Autocarros Este de Sarajevo, situada no território sérvio bósnio (RS). Fonte do mapa: https://www.researchgate.net.


Durante a guerra civil, o Bulevar era a linha que separava cristãos e muçulmanos. Nesta área encontram-se ainda muitas casas destruídas e infinitos buracos nas paredes. Além da destruição da Ponte Velha, o símbolo da guerra em Mostar é a "Torre do Atirador", o antigo Banco Ljubljanska, que hoje mais parece um esqueleto de cimento.


A arte na guerra:





Brutalismo Jugoslavo. Centro comercial Razvitak, 1970.


Dezenas de pessoas aguardam que um nadador mergulhe no rio Neretva. Ponte otomana construída em 1566…


…destruída em 1993…


… e reconstruída em 2004.


Trinta anos após o fim do conflito, Mostar continua a ser uma cidade dividida: croatas na margem ocidental e muçulmanos na margem oriental. O “outro lado” não é apenas uma questão geográfica. É uma separação cultural, religiosa e social, observável na forma como o café é servido, no predomínio de determinados edifícios religiosos, na música que se ouve nos cafés e na apresentação das mulheres no espaço público.


O dia passado em Belgrado levou ao cancelamento da visita a Višegrad. Nesta localidade, encontra-se uma ponte que inspirou uma obra literária que é uma referência para quem viaja pelos Balcãs.

A ponte Mehmed Paša Sokolović (1577) é conhecida devido ao romance “A Ponte sobre o Drina”, de Ivo Andrić (1892 – 1975; Prémio Nobel da Literatura em 1961). O livro narra a edificação da ponte e cruza episódios da vida quotidiana com acontecimentos históricos ao longo de quatro séculos: passagem de exércitos, encontros de culturas, conspirações políticas, interdições temporárias, fim de impérios. Mais do que uma estrutura física, a ponte é uma metáfora da complexa e tumultuosa História dos Balcãs. Fonte da foto: www.wikipedia.pt


Fui introduzido à “A Ponte sobre o Drina” nos anos 90, em que os conflitos resultantes da desintegração da Jugoslávia animavam as acaloradas e líquidas tertúlias no Café Amizade, na Póvoa de Varzim. À época, o título era citado por jornalistas especializados (Carlos Santos Pereira, na RTP, e Pedro Caldeira Rodrigues, no Público), mas era impossível encontrá-lo nas livrarias. A edição da Europa-América, publicada em 1962, estava fora de mercado. Foi um amigo que me emprestou o livro que se encontrava na biblioteca que pertencera ao seu pai (ainda conservo um exemplar fotocopiado!). Uma nota final sobre a capa da edição da Cavalo de Ferro de 2007: em vez de ter colocado uma imagem da Ponte de Višegrad, o editor preferiu uma espécie de “Ponte do Diabo” (Misarela, Montalegre) …


Não pude ir a Višegrad, mas encontrei Ivo Andrić em Belgrado.