Mas, afinal, onde estão os ursos?
No Taubanesentralen, o principal resquício do passado mineiro. A maioria das minas nas proximidades de Longyearbyen situa-se no alto de encostas íngremes e instáveis, onde era impossível construir estradas. Isso exigiu a necessidade de teleféricos para transportar o carvão para o cais de embarque (no verão) ou para um depósito de armazenamento (no inverno). Esta estrutura pesada e feia, apoiada em finas pernas, que parece um monstro de um filme de ficção científica, era a central que geria uma rede de cavaletes que se estendia em várias direções até à entrada das minas.
Taubanesentralen.
Exposição “Layers of Time – Everyday Life in Svalbard”. Nordnorsk
Kunstmuseum/ Galeria Nordover.
A Arca da Humanidade. Nos arredores de Longyearbyen, localiza-se o Cofre Mundial de Sementes, construído pela Noruega e pela ONU, em 2008. Em caso de catástrofe, guerra ou alterações climáticas há um seguro alimentar da humanidade, com as culturas mais significativas da Terra, guardado numa estrutura subterrânea a –18.ºC. Num local remoto sem árvores nem terra arável preserva-se a biodiversidade terrestre e 12 mil anos de História Agrícola. Não se pode entrar, mas é possível fazer uma visita virtual aqui: https://seedvaultvirtualtour.com/ No inverno, os cabos azul turquesa de fibra ótica que iluminam o edifício fazem lembrar uma boate para ursos. Fonte da fotografia: Wikipédia.
Sinais. O Ártico está sob
ameaça climática. Numa perspetiva pessimista, há cientistas que preveem, até ao
final do século, verões sem gelo. Segundo o Instituto Polar Norueguês, desde 1975,
a temperatura média em Longyearbyen aumentou bastante (foto). Uma vez que o
solo tem vindo a derreter com maior profundidade, há receio que as estacas de
madeira que sustentam as casas apodreçam e quebrem. Por isso, as novas
construções estão assentes em pilares de cimento e aço. O aumento das
avalanches obrigou a reorganizar o crescimento da cidade e levou à colocação de
barreiras nas encostas, para evitar a repetição de acidentes.
Casas sobre estacas, para evitar que o aquecimento derreta o solo e provoque
instabilidade nas habitações.
Barreiras
contra avalanches, casas coloridas e um bando de gansos com pressa.
Avalanche em fevereiro de 2016. Exposição “Layers of Time – Everyday Life in Svalbard”.
Nordnorsk Kunstmuseum/Galeria Nordover.
Caminhadas nas proximidades. Subida penosa até ao telhado de Longyearbyen, o Platefjellet, a Montanha do Planalto (foto). Para evitar contratar um guia ou estar inserido num grupo, segui, à distância, um casal que estava armado (um parêntesis para relembrar que a vida no Ártico é dura e cara; por isso, há que encontrar soluções de sobrevivência e poupança). A rota começa nas traseiras do Taubanesentralen e serpenteia pela encosta acima. No topo, há uma vista panorâmica sobre a cidade. Pelo lado do Sukkertoppen, o Pico de Açúcar, o percurso também é exigente, para alargar os horizontes do Fiorde do Advento. Ambas completam-se e justificam o esforço físico.
Na Galeria Nordover. “Layers of Time – Everyday Life in Svalbard” exibe momentos de vida captados por Herta Grøndal Lampert e Leif Archie Grøndal, entre 1950 e 1990, desde o quotidiano em Longyearbyen até aos encontros entre as comunidades norueguesa e soviética durante a Guerra Fria. A exposição apresenta ainda fotografias tiradas pela filha Eva Grøndal (foto: esquerda, segunda pessoa) e música da neta/filha das fotógrafas Aggie Grøndal Peterson baseada em sons gravados do arquipélago, como espaços públicos, estruturas mineiras ou animais selvagens. Os temas são a mineração, os prazeres e as refotografias. Três gerações ligadas a Svalbard convidam os visitantes a observar as mudanças na sociedade e na natureza nas últimas décadas.
Refotografias. Crianças: Herta Grøndal Lampert (preto e branco, 1955) e Eva Grøndal (cor, 2018).
Prazeres. Homem em cima de um bloco de gelo, com o navio Aasenfjord, 1950. Leif Archie Grøndal.
A Galeria Nordover é dinâmica e diversificada. Tem um café, uma loja de
artesanato, um cinema e uma exposição permanente dedicada à obra do pintor norueguês
Kåre Tveter (1922-2012, foto). A paisagem dramática, as intensas mudanças de
luz e a vulnerabilidade da natureza foram as suas fontes de inspiração.
De olhos bem abertos. O Tratado de Svalbard estipula que o território
não pode ser usado para fins militares, mas não há inocentes no fim do Mundo.
No passado e no presente, houve e há pessoas que observam discretamente as
movimentações na vizinhança. Da Guerra Fria à atualidade, o arquipélago mantém
intacta a sua relevância geoestratégica: o Ocidente vigia a entrada e saída de
navios e submarinos de Murmansk; a Rússia está atenta a um país da NATO, com os
pés em sua casa. No futuro, com a abertura das rotas do Ártico ao comércio
internacional, a importância de Svalbard será maior do que nunca. Fonte do
mapa: Enciclopédia Britânica.
Northern Exposure. Até ao final do século passado, a população de Svalbard caraterizava-se pela longa permanência. Na atualidade, há uma grande mobilidade, devido às migrações internas e externas. As pessoas vivem, em média, 6-7 anos no território e 25% dos habitantes muda todos os anos. Na primeira noite, conheci alguns membros desta comunidade mutável que estavam a celebrar o último fim de semana de férias: uma educadora de infância de Bergen e um professor de norueguês de Bodø. O convite para beber uma cerveja foi o pretexto para uma conversa sobre o quotidiano de Longyearbyen e as motivações da mudança. Vieram em busca de novas experiências, do silêncio e da imensidão que a geografia e a natureza oferecem. Encontraram trabalho em Svalbard, mas também um lugar isolado e transitório para reorganizarem as suas vidas. Longe de casa, agrupam-se e formam uma espécie de segunda família, em que toda a gente se conhece e entreajuda, como se fosse uma aldeia. Nunca pensei despedir-me destes “amigos circunstanciais à beira-fiorde” com abraços. O gelo nórdico já não é o que era… ou será o efeito de uma “síndrome Svalbard”? Não sei… fica o registo comportamental. Por fim, a resposta para o mistério dos tailandeses em Longyearbyen: muitos mineiros passam férias na Ásia, apaixonaram-se pelas senhoras locais e trazem-nas para cá. Professores, cientistas, funcionários, guias, artistas, espiões, expatriados e antissociais, eis o retrato social da cidade mais ao norte do planeta.