Voo SATA Porto – Ponta Delgada
Aproximação ao aeroporto. Vista aérea de Ponta
Delgada.
Antero de Quental – óleo sobre a tela de
Columbano Bordalo Pinheiro, 1889,
Museu do Chiado, Lisboa.
Museu do Chiado, Lisboa.
Antero de
Quental foi um poeta, filósofo e agitador político, considerado, por muitos, o
mais influente intelectual da “Geração de 70”. Ponta Delgada foi seu berço, em
1842; seu refúgio, em vários períodos; e seu túmulo, em 1891. A Direção
Regional de Cultura dos Açores editou um pequeno guia que apresenta diversos
elementos biográficos, contextualiza lugares anterianos e propõe uma
reconstituição da última viagem de Antero de Quental pelas ruas da cidade, que
conduz o visitante por um percurso provável, desde a saída da casa de José Bensaúde,
um importante membro da comunidade judaica de S. Miguel, até ao lugar do seu
trágico final, o Campo de S. Francisco, num banco junto do Convento da
Esperança. O local do suicídio está assinalado com uma âncora no muro exterior
da cerca. Este edifício, escolhido para ser o palco final de um homem doente,
deprimido e angustiado, é um local de peregrinação para milhares de açorianos,
residentes ou na diáspora, que aqui chegam, todos os finais de tarde, para
prestarem culto ao Senhor Santo Cristo dos Milagres.
Jardim Antero de Quental.
Banco onde Antero de Quental se suicidou, em 11
de setembro de 1891.
Antes
do derradeiro regresso a Ponta Delgada, Antero de Quental viveu uma década em
Vila do Conde, considerado, por si, um dos períodos mais felizes da sua
existência: “Aqui as praias são amplas e belas, e por elas me passeio ou
estendo ao sol com a voluptuosidade que só conhecem os poetas e os lagartos
adoradores da luz”. A casa foi recentemente recuperada pelo município e pode
ser vista aqui: http://www.dezeen.com/2010/03/22/house-antero-de-quental-by-manuel-maia-gomes/
Neste retorno a Ponta
Delgada, fiquei alojado no local onde Antero de Quental se hospedou, quando
regressou pela última vez, o Hotel Brown, atualmente, restaurado e convertido
em Pousada da Juventude. Tinha a tarde e a noite livres, antes do voo
madrugador para S. Jorge, no dia seguinte. Foi daqui que iniciei a revisitação
da cidade, cruzando, no meu percurso pedonal, alguns dos referidos lugares
anterianos com o rasto de uma pequena, mas dinâmica comunidade judaica
micaelense, de origem marroquina, estabelecida no arquipélago nos anos vinte do
século XIX.
Pousada da Juventude, antigo Hotel Brown, onde
Antero de Quental se hospedou
no seu derradeiro regresso a Ponta Delgada, em 12
de junho de 1891.
As famílias judaicas
sefarditas que chegaram aos Açores fugiam da instabilidade do Norte de África e
aproveitaram a liberdade religiosa, que o recém liberalismo triunfante
oferecia, para se fixarem em diversas ilhas, principalmente na Terceira e em S.
Miguel. Encontraram nos Açores potencial para o comércio, através da importação
de tecidos, venda a retalho e exportação de laranjas. A comunidade judaica de
Ponta Delgada foi a mais importante dos Açores. Estima-se que o seu número
tenha chegado aos cento e cinquenta indivíduos. Na década de trinta de
oitocentos, surgiram os dois principais testemunhos da sua vivência religiosa
que chegaram até aos nossos dias: em 1834, o Cemitério Hebraico de Santa Clara
e, em 1836, a Sinagoga Sahar Hassamain.
Campo da Igualdade / Cemitério Hebraico de Santa
Clara.
Um local de culto judeu com um nome de uma santa cristã.
Interior da Sinagoga Sahar Hassamain. Fonte: http://portuguese-american-journal.com/almeida-mello-the-plight-to-save-the-jewish-legacy-of-the-azores-interview/
Nesta entrevista ao Portuguese-American Journal, José de
Almeida e Mello, historiador e bibliotecário, Coordenador da Comissão para a
Restauração da Sinagoga, descreve todo o processo e contextualiza a presença
judaica na região.
Foi fundada por vários membros
da comunidade, entre os quais, Abraão Bensaúde, pioneiro da emigração judaica e
pai de José Bensaúde, o mais dinâmico empresário do século XIX açoriano e amigo
de Antero de Quental. De referir que, das cinco sinagogas existentes em Ponta
Delgada, esta foi a única em edifício próprio, localizada na Rua do Brum, nº16,
próximo de dois dos mais conhecidos monumentos do centro histórico, a Igreja
Matriz de S. Sebastião e as Portas da Cidade. Hoje, é a única sinagoga do
arquipélago que resistiu ao tempo e a mais antiga existente em Portugal, após a
expulsão dos judeus, no reinado de D. Manuel, em 1496. Quanto ao cemitério,
está entregue ao cuidado dos descendentes dos Bensaúde, apesar de já não
praticarem o judaísmo.
Igreja Matriz de S. Sebastião, primeira metade
do século XVI.
Porta central em pedra lioz, em estilo manuelino;
portas laterais em basalto da ilha, em estilo barroco.
portas laterais em basalto da ilha, em estilo barroco.
Portas da Cidade, século XVIII. Praça Gonçalo
Velho Cabral.
A presença judaica nos
Açores terminou cerca de meio século após o seu início. No último quartel do
século XIX, as famílias judaicas começaram a abandonar o território, por
motivos económicos. O declínio do ciclo da laranja e um regime aduaneiro menos
favorável levaram os judeus a partirem de novo, desta vez para o Brasil e os
EUA. A exceção foi a família Bensaúde que chegou até aos nossos dias como líder
da atividade económica dos Açores (www.grupobensaude.com
e www.bensaude.pt).
Além da navegação e do comércio interilhas, da importação/exportação de bens,
os Bensaúde foram responsáveis, entre outros negócios, pela criação de algumas
das empresas mais emblemáticas do arquipélago, como, a Fábrica de Tabaco
Micaelense, a Empresa de Turismo Terra Nostra ou a Sociedade Açoriana de
Transportes Aéreos (SATA).
Fábrica de Tabaco Micaelense, fundada em 1866,
por José Bensaúde.
Calçada portuguesa na Avenida Infante D.
Henrique.
Com a partida da
maioria da comunidade e sem residentes fiéis em número suficiente para
assegurar o culto regular, a Sinagoga Sahar Hassamain foi abandonada na década
de cinquenta do século passado e entrou em degradação. Enquanto se aguardam a
conclusão das obras e a abertura do futuro Museu Hebraico de Ponta Delgada,
previsto para 2015, o espólio do templo está a salvo na Biblioteca Municipal
Ernesto do Canto. Inclui objetos usados nas cerimónias, livros, documentos em
hebraico e mobiliário, com destaque para uma cadeira em madeira usada para
realizar circuncisões, oferecida por Sarah Bensliman Bensaúde, avó materna do
ex-Presidente da República, Jorge Sampaio.
Estas deambulações
históricas e pedestres pela cidade tiveram o seu epílogo no miradouro da Ermida
da Mãe de Deus. O dia estava bonito e convidava a um pequeno repouso, com uma
vista de horizontes largos sobre a cidade e o Atlântico.
Ponta Delgada a partir do miradouro da Ermida da
Mãe de Deus.
Referências
bibliográficas e na web:
COSTA, Susana
Goulart (2008), Açores: Nove Ilhas, Uma
História, Direção Regional de Cultura.
DIAS, Fátima
Sequeira (2012), Roteiro das Comunidades
- Herança Judaica nos Açores, Direção Regional das Comunidades.
STEINHARDT,
Inácio (2013), “O Último Judeu dos Açores” in WebMosaica Revista do Instituto Cultural Marc Chagall. Artigo
alojado em: http://www.seer.ufrgs.br/webmosaica/article/viewFile/43104/27206
Roteiros Culturais dos Açores - Antero de Quental (2011), Direção
Regional de Cultura.
http://portuguese-american-journal.com/almeida-mello-the-plight-to-save-the-jewish-legacy-of-the-azores-interview/
Versão
portuguesa: http://zivabdavid.blogspot.pt/2013/11/heranca-judaica-nos-acores.html