Em
1932, os arquitetos Gevorg Kochar (1901-1973) e Mikael Mazmanyan (1899-1971)
projetaram a Casa dos Escritores de Sevan, um prédio de quatro andares, com
varandas curvas e uma torre envidraçada com vista sobre o lago. Seria
construída numa ilha, diante do Mosteiro Sevanavank (séc. IX), com o objetivo
de servir de inspiração à criação artística.
Em 1935, ano em que o retiro para a União dos
Escritores Socialistas da Arménia abriu, o lago estava a mudar de forma, devido
ao desvio de água para irrigação e produção elétrica. Em vinte anos, com a
redução de 40% do seu volume, a ilha onde se localizava a casa daria lugar a uma
península. Em 1937, durante a repressão estalinista, Kochar e Mazmanyan foram
acusados de sabotagem contra a União Soviética e deportados para Norilsk,
cidade siberiana no Círculo Polar Ártico, onde permaneceram 15 anos num gulag.
Os dois foram reabilitados após a morte de Estaline.
Em 1962, Kochar foi novamente contratado para concluir o trabalho que tinha iniciado 30 anos antes. No ano seguinte, ao lado da Casa dos Escritores, nasceu a Cantina, uma estrutura oval assente num pilar de betão, erguida numa colina íngreme e rochosa. A projeção em direção ao lago, o enquadramento paisagístico e a varanda panorâmica fizeram deste edifício de vanguarda o mais emblemático do modernismo soviético.
Fonte das fotografias: Projeto de Recuperação da Fundação Getty. Pode ser consultado aqui: https://www.getty.edu/foundation/pdfs/kim/sevan_writers_resort_armenia_cmp.pdf
Capa
do livro: Soviet Modernism 1955-1991/Unknow History (Park Books e Centro de
Arquitetura de Viena, 2012).
Miradouro
de Sevan. Plataforma modernista soviética situada à entrada da
cidade, 1978.
Mosteiro
Sevanavank. Complexo monástico localizado na Península de Sevan (ilha até
meados dos anos 50), composto por duas igrejas cruciformes semelhantes. Foi
fundado em 874 e cessou a sua atividade em 1930, quando o último monge partiu.
Khachkares no pátio do mosteiro. Estelas ao ar livre esculpidas em pedra, decoradas com uma cruz no meio, acompanhada de motivos vegetativo-geométricos, esculturas de santos e animais. Embora possa assumir diversas finalidades, a mais comum é ser invocada como memorial.
Nos dois edifícios estão expostas discretamente algumas fotografias que retratam a sua história. Aquele que foi outrora um retiro para escritores e artistas, que acolheu intelectuais como Ossip Mandelstam, Vassili Grossman, Jean-Paul Satre e Simone de Beauvoir (os dois últimos encontram-se ao centro, na foto inferior esquerda), é um hotel decrépito, que precisa de obras de reabilitação, para não se tornar mais um sonho futurista com final triste.
Nadejda
Mandelstam relata em “Contra Toda a Esperança” (Imprensa Universitária de
Lisboa, 2023) que Sevan foi o local de redescoberta da voz poética do marido e
de denúncia da ditadura estalinista. Em 1934, Ossip Mandelstam publicou um
poema satírico de Estaline que o levou à prisão e, quatro anos mais tarde, à
morte, num campo de trabalho próximo de Vladisvostok. A sua obra literária
sobreviveu devido ao esforço de Nadejda, que decorou os seus poemas para entregá-los
à posteridade. “Contra Toda a Esperança” é um retrato dos últimos 4 anos de
vida de Ossip Mandelstam e uma descrição devastadora dos anos de terror
estalinista. Hannah Arendt considerou este livro o documento do século contra
as ditaduras.
O
designer gráfico Nvard Yerkanian pinta edifícios soviéticos arménios
ameaçados, para alertar em relação ao seu estado de degradação: https://www.archipanic.com/armenian-soviet-architecture-nvard-yerkanian/
Em memória de António Loja Neves (1953-2018), jornalista, escritor e cinéfilo, com quem tive o prazer de trabalhar e conviver no "Porto 2001" e que continuou a ensinar-me depois de ter partido.